Resenha do Livro Enigmas da Culpa, uma obra para entender a si mesmo

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domingo, 8 de junho de 2014



A Coleção Filosófica da Editora Objetiva não seria a mesma sem o livro Enigmas da Culpa (2007) do médico e professor gaúcho, Moacyr Scliar. Colaborador nos principais veículos de comunicação do país como Zero Hora, Folha de São Paulo e Revista Veja, o ex-membro da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2011, já publicou mais de oitenta livros sobre os mais diversos temas que permeiam o romance, o conto e o ensaio. Mesmo sendo um escritor eclético é na filosofia que ele aborda questões essenciais às respostas que buscamos no dia a dia.

Na presente publicação, que conta com 240 páginas e 14 capítulos, Scliar compara a culpa a um dedo acusador, “implacável, que aponta para nós e não nos dá a mínima chance de defesa”. Segundo o escritor, a culpa é universal e nós, meros mortais, não temos como fugir dela porque a “culpa é um fardo que carregamos”. Na fronte, ela nos enruga formando a última letra do alfabeto grego, o ômega, não por acaso. “O ômega representa o fim: na balança do juízo final a balança da culpa pesará e não a nosso favor”.

A maior parte da obra de Scliar tem no povo judeu um norte para continuar suas reflexões em torno do tema culpa. Ele, como filho de imigrantes judeus, portanto, criado nessa cultura, no Bairro Judeu do Bom Fim, no meio de Porto Alegre, na Rio Grande do Sul da década de 1940, relata que os judeus atravessaram o oceano para começar uma vida nova. Os que vieram, conta, foram os que decidiram lutar. É aí que a culpa aparece. “A culpa dos sobreviventes perseguia, como uma sombra, os imigrantes, do mesmo modo como perseguia depois aqueles que escaparam dos campos de concentração”.

A culpa estava sempre a rodear os judeus do Bom Fim, pois à medida que trabalhavam, ascendiam socialmente e, por consequência, os filhos eram poupados dos sacrifícios que os pais passaram outrora ao ponto de estes, ao ouvirem falar de fome, se questionavam sobre aquela palavra estranha. Os “novos judeus-brasileiros” já não tinham fome, mas tinham culpa, conforme descreve o autor.

No capítulo “De que falamos, quando falamos em culpa?”, Moacyr Scliar afunila o pensamento e explica a diferença entre sentimento e emoção. Com base em estudos, separa os termos e seus significados até concluir que a culpa tende para o sentimento, porque a emoção é transitória, enquanto o sentimento pode durar a vida toda. Neste trecho do livro chega a uma conclusão muito interessante sobre o “sentimento de culpa”

O tema perpassa ainda outros horizontes como a culpa na política; os vários sentidos de culpa; a culpa iluminada pela razão; o sombrio destino dos pecadores; os efeitos da culpa; educando e lidando com a culpa e a culpa na literatura de ficção. Neste, cita autores conhecidos mundialmente como o russo Fiodor Dostóievski (1821 – 1881) escritor de grande sucesso e autor de romances como O Idiota, Crime e Castigo e Irmãos Karamazov. Ao falar de Crime e Castigo, obra que trata de um relato psicológico de um crime, a análise do tema culpa também está bem presente.

As últimas páginas de Enigmas da Culpa são reveladoras e Moacyr Scliar depois de dissecar o tema, fato que ele próprio nega, apresenta o capítulo Lidando com a Culpa, onde relata os benefícios do sentimento de culpa. Não, a culpa não desaparece jamais, pois é um sentimento intrínseco ao ser humano e por isso mesmo nos ajuda a viver e a superar problemas.

O presente livro de Scliar é um trabalho que merece ser lido por todos aqueles que querem conhecer a si mesmo, as próprias limitações e conviver com o outro. Moderno, trata de temas de nossos dias como o estresse e a depressão e mostra a terapia como modo de convivermos com a culpa, mesmo que ela jamais deixe de ser esse dedo acusador. Por fim, o autor comenta vários filmes norte-americanos, entre eles o premiado Gênio Indomável (Good Will Hunting) de 1997, dirigido por Gus Van Sant, e tem Matt Damon como personagem principal. Conforme escreveu, a película apresenta, sob a ótica da psicanálise, nossas expectativas com relação à erradicação da culpa.



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