Reportagem de VEJA: Os bastidores e os limites do jornalismo

/
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
A reportagem de capa da Revista Veja da semana passada trouxe uma discussão polêmica que jamais foi resolvida e que ainda vai demorar um bocado para ter um fim: os limites do jornalismo. A matéria, cuja chamada de capa foi “O poderoso chefão”, denuncia que o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, mantém um gabinete num hotel de Brasília. A capa de Veja consistiu em desvendar o que faz um “ex-chefe de quadrilha do mensalão” continuar a ter tanto poder sobre figuras importantes do cenário político nacional e, ainda por cima, conspirar contra o Governo da presidente da República, Dilma Rousseff.

Produzida pelo jornalista Gustavo Ribeiro, a reportagem tem uma série de questões que precisam ser discutidas pelos grandes veículos de comunicação, pelas faculdades de jornalismo, e nos corredores das redações.

Já se descobriu que o jornalista usou de maneiras ilícitas, praticou crimes de invasão de domicílio e estelionato para conseguir o material de sua reportagem. Usou câmera espiã para observar os passos de Dirceu dentro do Hotel e de figuras importantes da política nacional, ferramenta que deve ser usada no jornalismo apenas em última instância. Foram expostas no miolo da revista um total de dez imagens que trouxeram políticos de renome como o senador Eduardo Braga (PMDB); o deputado Devanir Ribeiro (PT); o presidente da Petrobrás, José Sergio Gabrielli; o deputado Cândido Vaccarezza (PT), entre outros. Porém, nada se descobriu sobre as visitas.

O jornalista tentou também invadir o quarto de Dirceu, sem êxito. Diante desses fatos vêm as questões? Mesmo sendo uma figura nacional, expulsa da vida pública, se justifica invadir a vida dele para se chegar à matéria-prima de uma reportagem, mesmo que ela denuncie a forte influência que Dirceu tem sobre o primeiro escalão do Governo? Isso é uma justificativa para responder que a reportagem tem validade e é de interesse da opinião pública? O seu gabinete mantido num hotel de Brasília também merece ser divulgado pela imprensa, uma vez que dali pode sair decisões importantes, influenciadas por uma pessoa que age ilegalmente sobre a vida da nação? Eu diria que acompanhar os passos dele, revelar que é mantido um gabinete fora do espaço apropriado e que ele recebe políticos importantes, são fatos de interesse para a nação, pois Dirceu foi expulso da vida pública e em tal situação não é normal que seu quarto num hotel no centro de Brasília seja tão concorrido. No mínimo é muito, mas muito estranho. E o que é estranho à sociedade vira pauta de reportagem; porém, chegar ao ponto de tentar invadir o quarto para conseguir justificar a reportagem, foge de quaisquer parâmetros jornalísticos. Pesam sobre o jornalista e seu veículo o teste à sua credibilidade para chegar às informações.

É possível identificar alguns prós pela produção e investigação da matéria, mas pesam também os contras julgados pela ética. Com base na reportagem de Veja, não foi legal invadir a privacidade de Dirceu porque não se descobriu nem se justificou na reportagem o que de fato ele faz no hotel com políticos do primeiro escalão, mesmo que haja fortes indícios de ilegalidade nisso, mas fato deve ser comprovado. Talvez não fosse ainda hora de publicar a reportagem. O ex-ministro foi uma figura pública, certo, uma boa justificativa para a opinião pública se interessar pelo conteúdo, porém, o simples fato de ele apenas receber políticos, por mais estranho que seja, volta a ser uma barreira para o êxito da matéria. Outro peso: o jornalista teve acesso à rotina e vida de vários hóspedes de hotel, novamente o crime de invasão de domicílio.

A vida de José Dirceu no entorno da política legal, merece a atenção da opinião pública, desde que exista uma base sólida nos fatos para justificar a reportagem. Mas Ribeiro, como jornalista, deveria ter pensado se sua consciência o aprovaria a produzir uma reportagem que ultrapassa a investigação e utiliza de meios ilegais para ser concluída. Até que ponto a ética impede que meu direito, liberdade de expressão, se sobreponha ao outro?

São questões que merecem respostas, mas não cabe a eu respondê-las. Cada um deve trabalhar sua consciência e julgar, com base na lei, na sociedade, na ética e moral, a que valores o jornalismo serve e que sociedade ele deve prestar serviço. Como foi refletido acima, a reportagem está imbuída de contras, mas também de prós que devem ser estudados, avaliados e discutidos, de modo especial na academia, onde são formados os futuros jornalistas.



Os comentários serão administrados pelo autor do blog. Conteúdos ofensivos ou afirmações sem provas contra terceiros serão excluídos desta página.

Comentários