Eutanásia, distanásia e ortotanásia: diferentes procedimentos e o direito à vida. Até que ponto ele pertence a nós?

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sábado, 20 de setembro de 2014

Um ente querido sofre há anos com uma doença que já foi diagnosticada pelos médicos sem possibilidades de reversão. É um momento crítico e delicado, ele sofre dia após dia, principalmente com dores intensas. Qual o procedimento mais correto a seguir ao se deparar com essa difícil situação? 

“A boa prática médica é o casamento entre o conhecimento e o cuidado humano” (Platão)

Esclarecer e resolver questões éticas suscitadas pelos avanços e pela aplicação da medicina e da biologia. Esse é o papel da bioética que comemora 44 anos de existência, tendo como referencial os trabalho de reflexão de Van Ransselaer Potter (EUA) e posteriormente o livro “Bioética: ponte para o futuro”, de 1970. A data nos leva a refletir sobre os seus principais temas abordados, entre eles a eutanásia, a distanásia e a ortotanásia.

As nomenclaturas são estranhas e um tanto distantes das discussões comuns, mas são fundamentais e estão mais próximas do que parecem. Antes de tudo se faz necessário entender cada termo.

Eutanásia: do grego, eu (boa) e thanatos (morte) pode ser traduzido como “boa morte” ou “morte apropriada”; proposta por Francis Bacon em 1623, em sua obra “Historia vitae et mortis”, como sendo o “tratamento adequado às doenças incuráveis”.

Distanásia: do grego, dys (mal) e thanatos, (morte) cujo significado é ato defeituoso, morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento. Significa o prolongamento exagerado da agonia que inevitavelmente leva à morte com sofrimento físico ou psicológico do indivíduo lúcido.

Ortotanásia: do vocábulo grego orthos (certo) e thanatos (morte) significa, etimologicamente, morte correta. É a atuação correta frente à morte. É a abordagem adequada diante de um paciente que está morrendo.

A Igreja Católica tem posição irrevogável sobre os três procedimentos. O Catecismo é claro a respeito da eutanásia e destaca que tal prática “constitui um assassinato” (§ 2324). Com o papa Pio XII, a Igreja posicionou-se pela primeira vez contrária a esse procedimento numa alocução aos médicos em 1957. Em 1980 o então papa São João Paulo II publicou a declaração sobre a eutanásia. O arcebispo de Goiânia, Dom Washington Cruz, explica a posição da Igreja. “A eutanásia atenta gravemente à dignidade da pessoa e ao respeito a Deus, seu Criador. Fere o mandamento divino de não matar; o sujeito não pode possuir autonomia de decisão sobrea a própria morte. A vida pertence a Deus”.

Dr. Nelson Jorge da Silva Júnior, do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais e Saúde e coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC GO), diz que é difícil saber como a sociedade se posiciona, pois o tema é extremamente polêmico e gira em tono da legalidade, ética médica, crenças religiosas e a racionalidade pura. A discussão, na visão dele, precisa ser aberta e continuar. “Em alguns países a eutanásia é legalizada; em outros, já se discutiu muito e houve uma decisão de não aceitar nenhum tipo de eutanásia. Existe a necessidade de uma discussão ampla, não só restrita ao meio acadêmico, mas com diversos seguimentos da sociedade e a população em geral. Eticamente, nada justifica abreviar a vida humana”, pondera.

Padre Luiz Henrique Brandão de Figueiredo, professor de teologia moral, diz que dois elementos básicos devem preponderar sobre a escolha da decisão quando se trata de pacientes em fase terminal sem possibilidades de reversão. “O amor e a presença dos familiares que apoiam e rezam por seu irmão que está sofrendo devem prevalecer, colaborando para que ele aprenda a unir os seus sofrimentos aos de Cristo. Do ponto de vista ético, o paciente deve ser acompanhado pelos profissionais de saúde e pelos familiares até a sua morte natural, recebendo os devidos cuidados comuns paliativos”.

A legislação brasileira ampara das mais diversas formas a pessoa humana sobre o direito à vida. A Constituição Federal, artigo 1º, § 3, reconhece a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito. O artigo 5º, § 3 expressa que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante, e o § 35 garante ao paciente recorrer ao judiciário para impedir qualquer intervenção ilícita no sue corpo contra a sua vontade. No Código Penal, a eutanásia é crime (artigo 121 § 3).

O Código de Ética Médica (CEM), por sua vez, através da resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina (CFM) fortalece a autonomia das decisões do paciente, desde que maior de idade e plenamente consciente, pode definir os limites terapêuticos na fase terminal. O objetivo é garantir o respeito no final da vida; evitar a distanásia que o desenvolvimento tecnológico pode provar, e perda da noção de limites. Já em 1987, a Associação Mundial de Medicina considerou, na Declaração de Madrid, a eutanásia como sendo um ato eticamente inadequado de, deliberadamente, terminar com a vida de um paciente.

Padre Luiz Antônio Bento, ex-assessor nacional da Comissão para a Vida e a Família e ex-coordenador da Comissão de Bioética, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pós-doutor em bioética (UFRJ), hoje docente em bioética e ética médica da Faculdade Ingá, em Maringá (PR), explica que primeiramente deve-se pensar no respeito à pessoa humana, quando se trata dos três procedimentos. “A pessoa é um ser completo, tanto físico quanto espiritual, e a atitude para com essa pessoa deve ser de respeito. O cuidado com quem está morrendo é, sobretudo, como agir se você respeita essa pessoa”. O estudioso justifica que a frase reconhece que deve prevalecer a medicina paliativa, ou seja, a ortotanásia. “A medicina paliativa intenta eliminar o sofrimento, enquanto que a eutanásia opta por eliminar a pessoa que sofre”.

Ele comenta ainda que no Brasil a discussão sobre a temática é elementar, mas destaca que organizações não governamentais estão a par do assunto, de modo especial a CNBB e defensores dos direitos humanos, além de denominações religiosas. Entre outras organizações estão as Comissões de Ética Profissional; Comissão de Ética Médica; Comitê de Bioética Clínica, Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos; Comitê Nacional de Ética em Pesquisa. “O apoio da sociedade civil e a condenação de abusos é fundamental para a eficácia dessas organizações”, ressalta.



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