A Crise Econômica pela qual passamos é de conhecimento de todos, afinal a sentimos nos bolso. O dólar a pouco mais de R$ 4, um recorde desde a criação do Plano Real (cotação do dólar comercial no dia 23 de setembro de 2015), eleva o preço de diversos produtos, começando pelo pãozinho francês até os industrializados porque mais do que nunca, para obter lucros, as empresas precisam ganhar mais reais para vender o seu produto; os importados também ficam mais caros, a inflação aumenta e o poder aquisitivo cai. Nesse barco, os pobres são os mais afetados. Se o nível de preços ultrapassar a meta do Governo Federal, poderemos até passar por um racionamento de água e energia.

Junto com a Crise Econômica, o país passa por uma Crise Política. É bem difícil dizer se é a crise econômica que produz a crise política ou se é esta que constrói a crise econômica. O certo é que ela afeta a todos também, uma vez que o Governo e a oposição não conseguem se acertar – chegar a um consenso – em prol dos cidadãos. Um exemplo é a análise pelo Congresso Nacional dos 32 vetos da presidente Dilma Rousseff, novela longe de acabar. Os embates tem tudo a ver com a economia, já que os projetos podem reequilibrar ou descontrolar as contas públicas.

A Crise Moral é outra bastante presente no dia a dia de todos nós. Essa é grave e muito antiga e está relacionada com o extinto de se dar bem, ser esperto, levar vantagem em tudo e cultuar muito mais o ter do que o ser. A preocupação aqui é o material, é ganhar tempo, furar fila porque o meu tempo é mais precioso do que o do próximo. É grave porque não nos damos conta dela. Apontamos apenas o nosso dedo acusador aos políticos, aos “bandidos de colarinho branco”, sem olhar para nós mesmos e as pequenas corrupções que praticamos quase que (senão) diariamente.

Crise de inteligência

Mas, diante das três crises descritas acima, a Crise de Inteligência parece ser o mal maior dos nossos dias e pode afetar ou estar relacionada com todas as outras. Argumentar hoje em dia é tão difícil quanto desenvolver uma fórmula matemática. Estamos cada vez mais despreparados para debater qualquer assunto ou analisar algum tema da atualidade. As redações do Enem que o digam. O filósofo francês Gilles Lipovetsky diz que, atualmente, “mais do que uma crise de valores, vivemos um problema de inteligência”.

A Crise de Inteligência é fruto da precarização da nossa educação; as pessoas se apossam de fórmulas prontas e simplistas e a repetição de certezas incontestes (que não resistiriam a um simples debate). Outros partem para agressão mesmo e a negação do interlocutor e suas ideias. Contribui para a supervalorização da ignorância dos nossos dias, a famosa internet e as redes sociais, ambiente em que as pessoas postam verdades absolutas, se pronunciam com certezas e não estão nem um pouco preocupadas e abertas ao diálogo e debate. Preferem se fechar em um mundo virtual criado paralelamente ao real. Ambos se confundem e transformam a pessoa em um ser cada vez mais sem sentido, menos crítico e mais conformado com a realidade que a engole todos os dias.



Atualmente o mundo conta com mais de 7 bilhões de pessoas que geram 1,3 bilhão de toneladas de lixo, quantidade que deve chegar a 2,2 bilhões de toneladas em 2025, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Ainda conforme os relatórios da ONU, atualmente mais de 1 bilhão de pessoas, o equivalente a 18% da população mundial, não tem acesso a uma quantidade mínima aceitável de água potável. E em 2025 – dois terços da população mundial ou 5,5 bilhões de pessoas, poderão não ter acesso à água limpa.

É com base em estudos científicos como esses, que apontam um cenário catastrófico já em nossos dias, que o papa Francisco lançou no dia 18 de junho, a sua segunda Carta Encíclica, Laudato Si (Louvado sejas – sobre o cuidado da casa comum) “a cada pessoa que habita neste planeta” (nº 3). Segundo o subsecretário-geral da ONU para o Pnuma, Achim Steiner, é “o chamado à ação feito por Francisco face à degradação global do ambiente e as mudanças climáticas”.

Estudiosos já declararam ser superficial classificar a carta apenas como encíclica verde porque a visão do papa é teológica e metafísica, ou seja, fundamentada na fé e na razão a partir da investigação das realidades que transcendem a experiência sensível.

Para começo de conversa, é indispensável destacar que Laudato Si, mi Signori – Louvado Sejas, meu Senhor – era o cântico de São Francisco de Assis em que “recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços”. Assim cantava o santo. “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras” (nº1).

Visão científica

Para o doutor em Ecologia e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) Rafael Dias Loyola, quatro pontos fundamentam a encíclica e tornam o documento relevante. “O papa Francisco apresenta um problema; explica no texto que ele é global; convoca as pessoas a fazerem algo a partir de linhas de ação e deixa claro que o problema perpassa o ambiental e atinge também o social e econômico”. Segundo o professor, a comunidade científica mundial recebeu muito bem o documento porque o texto ratifica o que eles vêm dizendo há muito tempo: “estamos diante da maior emissão de gases de efeito estufa da história, causado pelo homem; diante de uma crise hídrica sem precedentes, devido principalmente a uma gestão irresponsável e o papa, como líder religioso e uma força política que os cientistas não têm, faz ouvir no mundo inteiro esse problema que é de todos nós”.



Igreja pode fazer mais

Mas a publicação de Laudato Si e o impacto que causou um papa ao falar sobre meio ambiente, conforme o professor Rafael, é apenas um primeiro passo. “O documento tem um peso político muito grande no mundo e acaba atraindo as pessoas na sociedade e na Igreja, mas poderá fazer a diferença se ele for amplamente divulgado, discutido e debatido; se cada padre em sua paróquia falar a respeito com os fiéis, aí sim, haverá uma educação ambiental mínima”. O professor considera também que a encíclica é um alerta para as pessoas se conscientizarem de que elas são parte do problema, que contribuem para o mundo estar piorando e isso, associado à fé, faz uma diferença muito grande.

A chave do documento, conclui o especialista, é o papa ter fundamentado ao longo do texto que o problema é também social e que os pobres sofrerão mais com a degradação do meio ambiente. “O papa chama a atenção dos governos para assumirem uma postura nova principalmente em relação aos mais pobres que não têm condições de lidar com escassez de água, aumento da temperatura e falta de alimento nas mesas”.

O professor da Escola da Fé e mestre em Ciências da Religião, Onofre Guilherme, diz que Laudato Si é um convite do papa à mudança de mentalidade, que só pode ser alterada verdadeiramente a partir de uma espiritualidade de cuidado, do zelo para com a criação e para com os homens e mulheres que habitam o planeta. “Francisco faz um pedido no sentido da afirmação da dignidade profunda da pessoa humana, perdida no horizonte pobre do mundo do consumo exacerbado”.
Onofre ressalta ainda que cabe aos cristãos, de modo especial, o cultivo de uma espiritualidade autenticamente ecológica que, “associada à educação ajuda, assim, na superação da tentação de um espírito consumista que provoca violência e destruição na medida em que poucos são os seres humanos que possuem pleno acesso aos bens de consumo”.

São Francisco de Assis

O bispo auxiliar de Goiânia, Dom Levi Bonatto, entende que o documento só terá efeito se ele for amplamente divulgado. Por isso, faz um apelo à Igreja. “As palavras do papa só irão ecoar se o documento estiver nas mãos das pessoas e isso só acontecerá se cada paróquia e comunidade, por meio dos seus padres, fizerem isso e houver uma divulgação nos meios de comunicação sobre a importância da nova encíclica”. Dom Levi vê de forma positiva o impacto que causou o lançamento da encíclica no mundo inteiro. Ele diz que a Igreja precisa aproveitar esse momento para levar a todos a mensagem de Francisco sobre essa problemática global.

Sobre a centralidade de São Francisco na encíclica, Dom Levi explica que o santo foi “o transformador de uma Igreja que estava voltada para si mesma, tinha muitos bens, e ele achou que era necessário o desprendimento, por isso, fez a reforma. Hoje o papa Francisco quer mostrar que para viver o que está escrito no documento é preciso uma transformação e mudança a partir das pessoas, pois não é possível continuarmos apegados aos bens materiais enquanto o mundo sofre as consequências”.

Estudo do documento

As paróquias e vicariatos são convidadas a se envolverem concretamente na multiplicação do conhecimento da Carta Encíclica Laudato Si, trazendo para o dia a dia da comunidade o denso e profundo conteúdo nela apresentado. Esse é o caminho que a Igreja de Goiânia irá trilhar a partir de agora, segundo Dom Levi. O professor Onofre Guilherme se coloca à disposição para esse serviço. O contato dele é onofre.goiania@gmail.com. A encíclica pode ser encontrada em todas as livrarias católicas.

Você sabia? A Carta Encíclica é uma circular enviada pelo papa a todos os bispos e por meio deles aos padres e fiéis, sobre um determinado assunto que quer tratar nos campos da fé, costumes, culto, doutrina social. Pode-se estender também a todos os homens de boa vontade, como é o caso da Laudato Si. Acredita-se que a primeira encíclica foi escrita pelo papa São Clemente (89-98). O termo “epistola encyclica” foi introduzido pelo papa Bento XIV (1740-1758).

Publicado originalmente no Jornal Encontro Semanal, da Arquidiocese de Goiânia
Reportagem: Fúlvio Costa
Fotos: André Costa
Montagem: Caio Cézar
Infográfico: Ana Paula Mota
Revisão: Jane Greco 



"É sábio trabalhar a partir do mais simples até chegar ao mais difícil"

1. Não mergulhe de cabeça no mar de conhecimento, mas tente chegar a ele através de córregos menores. É sábio trabalhar a partir do mais simples até chegar ao mais difícil. Este é o meu primeiro conselho e você faria bem em segui-lo.

2. Seja lento para falar…

3. Dê grande importância a uma boa consciência.

4. Nunca negligencie os momentos de oração.

5. Mostre-se amável para com todos.

6. Nunca meta o nariz nos assuntos dos outros.

7. Não seja excessivamente íntimo dos outros, porque a familiaridade excessiva gera desprezo e fornece pretextos para negligenciar o trabalho sério.

8. Não perca tempo em conversas fúteis.

9. Tente seguir as pegadas dos homens honestos e santos.

10. Não repare tanto em quem fala, mas acumule na mente o que ele diz de útil.

11. Certifique-se de entender bem o que você lê e escuta.

12. Esclareça os pontos em dúvida.

13. Dê o seu melhor para guardar tudo o que puder na pequena biblioteca da sua mente.

14. Não se preocupe com as coisas que estão fora da sua competência. Se você seguir os meus conselhos, vai atingir a meta desejada.

São Tomás de Aquino, 1270.




O mal de proporções gigantescas que se abate sobre os refugiados é consequência da política desastrosa dos nossos países. Quem irá resolver?


Vergonha, vergonha, vergonha.


“Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (Rm 8, 22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos”.

As palavras acima correspondem ao número 2 da Carta Encíclica do papa Francisco, Laudato Si (sobre o cuidado da casa comum) lançada em todo o mundo no dia 18 de junho. Tem tudo a ver com as crises existenciais por que passa a humanidade. Que crises são essas? Não conseguimos mais medir as consequências do mal ao próximo; da violência contra a humanidade e a natureza e nem sequer conhecer o nosso vizinho. Caminhamos para um caminho sem volta, nos canibalizamos e voltamos a ser bárbaros. Os meios de comunicação em nossas mãos são armas potentes, prontas a destruir a imagem de quem quer que seja – não importa se o dono da imagem está morto ou doente. Onde está o sentido da vida em nossos dias?

Como bem escreve o papa em sua encíclica, “a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços” (nº 1), mas onde está esse cuidado? Se a casa é de todos, por que uma criança é obrigada a deixar o seu país de origem em busca de sobrevivência em um continente do outro lado do mundo e na viagem perde a vida? Se a casa é comum, por que todos nós não convivemos como irmãos? Já não há partilha, a terra não é mais nossa mãe, nem nossa irmã. Os fatos nos fazem questionar. As pessoas engolem-se todos os dias em busca de lucros, uma posição de destaque na sociedade e países atacam-se com armas. Armam-se também contra a sua própria população com a munição dos impostos que destrói a nossa capacidade de viver livres nos braços da mãe terra.



Imagens da (des) humanidade

As duas imagens acima estão correndo os jornais e redes sociais em todo o mundo. A obra esculpida na areia da praia de Puri, na Índia, dispensa comentários. O artista indiano Sudarsan Pattnaik retrata o pequeno Aylan Kurdi que morreu afogado quando ele e a família fugiam das atrocidades causadas pelo grupo que se autointitula Estado Islâmico, na Síria. A família tentavam atravessar de barco da Turquia para a Grécia nesta quarta-feira (2). O destino final seria o Canadá onde moram parentes.

Na segunda imagem, uma criança disputa espaço com adultos, durante distribuição de alimentos, em frente à estação ferroviária Keleti, em Budapeste, na Hungria. A foto é de Frank Augstein. Temos tanto, mas nossa incapacidade de viver como irmãos a partilha do amor nos afasta do propósito final imaginado por Deus. Precisamos urgentemente reconhecer que todos juntos somos responsáveis pelos danos que vem maltratando o planeta, desfigurando e destruindo a nossa casa comum que um dia, se assim continuar, não será mais habitável.