Fé: um dom de Deus

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domingo, 1 de fevereiro de 2015

Eu acredito, mas eu tenho fé? Acreditar em algo, seguir uma religião, esperar confiante que determinada situação vai se resolver ou que a cura de uma doença vai ser alcançada. Ser uma pessoa de fé? Ter fé? Mas o que significa realmente a fé? Ao contrário do que muitos pensam, ter fé vai muito além do ato de acreditar confiantemente. A palavra fé tem duas origens: deriva do latim “fides”, com sentido de fidelidade; e do grego “pistia”, que significa acreditar. Apenas na origem da palavra já se percebe uma indicação: que não se trata somente de acreditar, mas de ser fiel àquilo em que se acredita. A fé é sobrenatural, e às vezes é interpretada como crer em algo abstrato, distante da capacidade racional; porém, na verdade, para se crer é preciso saber as razões que levam a isso, reafirmar o sentido da fidelidade.

Não é possível ser fiel sem que se tenha o conhecimento necessário para que se estabeleça esse elo.
Para os cristãos, a fé está diretamente ligada a crer em Deus. O Catecismo da Igreja Católica (CIC) ensina que a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Padre Júlio Cesar, reitor dos Seminários São João Maria Vianney e Propedêutico Santa Cruz, e que foi professor, dentre outras, da disciplina Fé e Revelação, no curso de teologia da PUC, explica que a fé é sobrenatural porque, em primeiro lugar, é dom de Deus, é uma graça (cf. Catecismo n. 153), ação do Espírito Santo (n. 683); porque comunica também uma relação com Deus, ou como diz o autor da carta aos Hebreus, uma "posse" dos bens esperados (Hb 11,1).

A partir daqui ampliamos a compreensão da fé como um ato humano, mas uma graça recebida. É um engano pensar que não se pode ter questionamentos diante da fé, que ela é contrária à razão. “Muito embora a fé esteja acima da razão, nunca pode haver verdadeiro desacordo entre ambas: o mesmo Deus, que revela os mistérios e comunica a fé, também acendeu no espírito humano a luz da razão. E Deus não pode negar-Se a Si próprio, nem a verdade pode jamais contradizer a verdade” (CIC 159).
O Catecismo instrui que a resposta da fé, dada pelo homem a Deus, deve ser voluntária. Por conseguinte, ninguém deve ser constrangido a abraçar a fé contra vontade. Efetivamente, o ato de fé é voluntário por sua própria natureza.

A fé não é algo que surge de forma mágica na pessoa. Às vezes comparamos a fé de um com a do outro, é muito comum falarmos que uma pessoa tem muita e outra é de pouca fé. Isso porque a fé também deve ser cuidada. Padre Júlio esclarece que se pode alimentar a fé na escuta atenta, obediente e amorosa da Palavra transmitida no seio da Igreja, comunidade dos fiéis que vivem a fé operante na caridade, nos sacramentos, em comunhão com seus pastores. O estudo do conteúdo da fé também ajuda muito ("compreendo para crer"...). Muito importante também é caminhar na comunidade ("onde dois ou mais estiverem unidos em meu nome, estou lá no meio deles", Mt 18,20). A fé envolve a pessoa inteira: inteligência, vontade, memória, coração, afetos... A fé implica uma adesão a Deus e sua vontade (daí São Paulo falar da "obediência da fé", Rm 1,5); nesse sentido, a fé vai sempre junto à conversão. Quanto mais alguém se dispõe à conversão, à acolhida da vontade de Deus na vida pessoal, mais fé terá, mais profunda a relação com Ele, mais "compreensão" de seus caminhos, ou ao menos, mais entrega e abandono confiante, enfim, mais participação na vida dele. Assim, alguém pode crescer na fé ou não, dependendo da sua disposição para essa conversão.

Diante da doença, a certeza de Deus presente

Toda essa abertura para conversão e disposição para alimentar a fé, não está ligada a idade, e às vezes pode surgir por acontecimentos ao longo da vida. Luiz Eduardo Marinho Almeida Júnior, 20 anos, e Carolina Narciso Mesquita, 22 anos, são namorados há quase 4 anos. E no ano de 2014 foram surpreendidos pelo diagnóstico de leucemia do Luiz. Ele conta que a princípio foi um baque: “A sensação que tive em um primeiro momento foi como de uma sentença de morte.” Carolina diz que foi inesperado, pois ele sempre foi um jovem muito ativo, praticava esportes, parecia muito improvável ser acometido por uma doença. Ela diz que sempre teve muita fé, desde pequena frequenta a Igreja com a família, a fé sempre esteve presente. Já Luiz confessa que nem sempre foi uma pessoa crente: “Nem sempre tive costume de ir à igreja e não buscava muito a Deus, sentia que alguma coisa faltava na minha vida. Foi aí que minha fé começou a se fortalecer cada dia mais”.

Desde a descoberta da doença, foram muitas as situações, desde pioras, espera dos testes para um doador de medula, que, no caso do Luiz, foi o irmão. Ainda em tratamento, ele afirma que a fé é fundamental para enfrentar o problema. Segundo ele, a cada parte da terapêutica, quimioterapia e radioterapia, a fé o impulsionou; que apesar do medo, a fé foi maior, que acreditava na sua total recuperação. Sentimento compartilhado pela namorada que afirma que a doença amadureceu a fé: “O tempo todo tínhamos certeza de que Deus estava conosco e Maria à frente, nossa fé ficou mais fortalecida”.

Ter fé não isenta dos sentimentos de medo e de fraqueza momentâneos. A escolha do Luiz foi enxergar, apesar do temido câncer, algo bem maior: “Tentei não olhar pra tempestade, pro tamanho do problema, mas acreditar que meu Deus é o Deus do impossível e que é maior que qualquer obstáculo, que, se aquilo estava acontecendo, teria um propósito. Antes de tudo que aconteceu tive uma experiência muito forte com Ele e senti que não seria fácil, mas estaria comigo sempre; isso foi fundamental para a minha cura e está sendo para a minha recuperação”.  Carolina afirma que, para ela, Deus sempre norteou a vida dos dois: “Ele sempre esteve presente em nossa vida, foi Ele que me mandou o Luiz e que conduziu nosso namoro até aqui. E o tempo todo, desde que recebemos a notícia que ele estava doente, até agora que ele já está se recuperando do transplante, percebemos Deus ainda mais presente.”

Reportagem de Talita Salgado publicada originalmente no Jornal Encontro Semanal, da Arquidiocese de Goiânia



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