Consumismo na contramão do Natal

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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Então é Natal, e o que você fez? Questiona a frase de uma das versões da música de John Lennon que mais se aproximam do sentido dessa data marcante. Nesta época do ano, diversas propostas acerca do Natal se apresentam à sociedade: é um momento para consumir, gastar o 13º salário com presentes, a fim de demonstrar carinho e afeto pelas pessoas mais próximas; praticar a solidariedade junto àqueles que mais precisam ou viver intensamente o Advento à espera do menino Jesus, o aniversariante do dia 25 de dezembro?

Com relação ao consumo, que parece estar à flor da pele das pessoas nessa época do ano, a prof.a da Faculdade de Ciências Sociais, da Universidade Federal de Goiás (UFG), Janine Collaço, que conduz uma pesquisa sobre consumo urbano de alimentos e desperdício, diz que essa prática sempre existiu. Mas é preciso fazer uma distinção. Segundo ela, existem a sociedade de consumo e a sociedade para o consumo. É nesta última que aparece o sentido da insaciabilidade, e, portanto o consumismo. Ela alerta que nem todas as esferas sociais se conectam a esse ato. “Nem todos consomem desesperadamente, pois temos diversos tipos de consumo”.

Collaço explica que o ato de consumir é uma prática ocidental que produz e produz muito para mostrar a opulência sobre o resto do mundo. No Ocidente, de acordo com ela, as relações sociais são percebidas primeiramente entre pessoas e bens. Nas sociedades de Corte, por exemplo, essa percepção é diferente. “As pessoas consomem para registrar a passagem do tempo e assim definir a sua posição social entre os membros e seu grupo ou comunidade pela tradição e ancestralidade”. O certo é que o sentido do consumo não é igual para todos. “São muitos grupos sociais e com olhares culturais diferentes; se poupar é algo bom para o futuro, nem todos querem abrir mão do bem estar de hoje. Precisamos olhar o sentido do consumo na vida das pessoas, para não corrermos o risco de reforçar estereótipos. Por exemplo, o consumo proporciona boas sensações a uma vasta camada da população que não tinha esse acesso”, diz.

Satisfação... Apenas imediata

A psicóloga clínica Arilda Ximenes não tem dúvidas de que o consumo, principalmente exagerado, traz boas sensações às pessoas, mas apenas momentâneas. O que, de acordo com ela não caracteriza felicidade. “Às vezes dizemos sou feliz, mas o mais adequado é dizer estou feliz agora. A nossa emoção é o que define os estados de felicidade ou infelicidade influenciada pelo nosso ambiente psíquico, muito mais do que nosso ambiente geográfico em si. O perigo mora em achar que a felicidade está apenas na nossa relação material com o outro, quando na verdade ela é definida como percebemos a nós mesmos”.

Em longo prazo, ela explica que o consumismo desenfreado pode tornar as pessoas instáveis emocionalmente, agressivas, frustradas, depressivas, intolerantes com o outro, impotentes por não alcançarem seus objetivos, além de influenciar negativamente a formação da personalidade sobre o valor da vida. A lista vale também para as crianças. E como isso pode ser contornado, de modo especial no período natalino? “Amando o outro afetivamente no plano pessoa para pessoa e não pessoa para objeto, promovendo situações de ajuda pela caridade, celebrando e convivendo com as pessoas, dando o verdadeiro sentido ao Natal, como nascimento de Jesus Cristo em nossas vidas”, explica a psicóloga.

Educação financeira 

O economista e prof. do Instituto Federal de Goiás (IFG), Adriano Paranaíba, lembra que nos últimos anos a população foi iludida pelo acesso ao crédito e consumo facilitado, com as passagens aéreas e os veículos parcelados a perder de vista, só para dar dois exemplos. “O governo dizia que a crise não chegaria e os economistas, o contrário; e a fatura chegou. Estamos mergulhados na crise, mas o lado positivo é que as pessoas aprenderam que gastar por gastar leva às dívidas e à crise”.

Adriano alerta que o cenário para 2016 não é bom e sugere como as pessoas devem passar esse fim de ano. “Podemos fazer uma festa bonita sem comprometer o orçamento. Como? Com simplicidade. Não é o momento de gastar, pois o ano que vem não sabemos nem quem estará empregado”, aconselha. O ideal, conforme Paranaíba, é sentar em família e programar todo o ano de 2016 na ponta do lápis. “Aproveitando o Natal, que proporciona as reuniões em família, precisamos aprender educação financeira na prática, inclusive com a participação dos filhos para que eles também saibam os limites do orçamento. Ganhos extraordinários, como o 13º salário, devem ser gastos prioritariamente com os gastos extraordinários: matrícula e material escolar dos filhos, IPTU, IPVA”. O salário fica para as contas ordinárias. Adriano explica que fazer isso ajuda a manter o equilíbrio financeiro. A prioridade neste fim de ano, de acordo com ele, é quitar as dívidas e só depois pensar em presentes.

Reencontrar o sentido do Natal

Eis o passo mais importante que a sociedade precisar dar, conforme o padre José Luiz da Silva, formador do Seminário propedêutico Santa Cruz. “Natal significa esperança para nós cristãos e a sociedade e todos são convidados a renascer de novo”. O padre comenta que na época em que vivemos o sentido da vida se perde facilmente, e as pessoas vivem o período natalino pelo aspecto social porque não entendem o mistério. “O mercado oferece muitas propostas e as pessoas não conseguem fazer uma escolha. O maior presente do Natal é perceber Jesus no presépio despojado e buscar imitá-lo e entender que o consumismo frenético promete, mas não traz a felicidade, que só é possível por meio do Cristo da manjedoura. Só assim conseguimos atenuar o consumismo”.

Publicado originalmente no Jornal Encontro Semanal, da Arquidiocese de Goiânia, edição 83.



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